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Barretos, São Paulo, Brazil
Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos. Mestre em Sociologia e graduado em Ciências Sociais, pela Universidade Estadual Paulista. Professor da Faculdade de Ciências da Saúde de Barretos "Dr. Paulo Prata".

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Fake

      "Se eu fosse eu", é com essa frase retirada de uma crônica de Lispector que inicio os posts de 2011. Longe de ser um existencialista, no sentido strito do termo, proponho pensar sobre as várias faces do "eu". É claro que Clarice na crônica em questão, supera toda e qualquer interpretação do "eu". Mas Clarice é mágica, toca essencialmente a alma, enquanto eu divago sobre preposições. 
      Me dei algumas horas por dia para estar com a literatura, tentando fugir do meu objeto de pesquisa, duro, quadrado, recortado e precisamente conceituado. Não que eu não goste de todo esse rigor acadêmico, muito pelo contrário, a academia me faz perceber útil. Mas é difícil desvencilhar do objeto quando vivenciamos intensamente a sua construção. Por isso quando li o conto de Lispector pensei logo em um fenômeno que foi transposto da vida real para a vida virtual. O "fake".
      O fake nada mais é que uma construção tendenciosa da nossa construção do "eu". Ou seja, é uma fuga planejada, arquitetada, de se perceber e se apresentar no mundo virtual. Assim como a fotografia é um instante registrado de uma felicidade construída, congelada, paralisada. O fake é a busca de estar em equilíbrio com a amplitude de nossos "eus". Falso, necessário, escondido, escancarado, vivo. Clarice incita o pensamento ao afirmar que metade das coisas que faríamos se fossémos eu, não poderia ser contado. Daí a necessidade de criarmos personagens para aliviarmos os vários "eus" presente num corpo limitado, com medo, repletos de culpas e anseios. O fake é fuga? É salvação? É covardia? Como nos apresentamos a nós mesmo?
      "Se eu fosse eu" o que eu faria? Gritar já não posso, ter consciência do real é doloroso... requer ação, quero agir? O carnaval já não dá conta de nossos anseios construídos, colombina e pierrô, não mais colore as possibilidades dos "eus".  Vigio e não me percebo vigiado, ou me percebo? Crio personagens, mas alguma vez protagonizo?  "A mentira em que nos acomodamos acabou de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara", Clarice é forte demais... sufoca a alma.
     Ser eu é emancipação, é verdade, é liberdade. O preço é caro, o prazer é muito. O medo é fato, assim me engano.

7 comentários:

  1. O livro tb está em minha cabeceira....mas por sugestão tambem estou lendo aos poucos.

    Felicidades em 2011.

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  2. Bastante complicado fugir do "fake", não? A gente vive mais no não dito do que no dito, os sorrisos condescendentes quando queríamos chorar ou bater... rsrs. O medo, a culpa, tudo isso que nos é incutido desde pequenos, somos ensinados a não sermos nós mesmos, mas algo aceitável, ajustado,e tudo isso torna a emancipação algo desejado e ao mesmo tempo temido.

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  3. Li, adorei o comentário. Cheguei a pensar em uma outra crônica de Lispector que diz "Quem sabe, eu acho que a máscara é um dar-se tão importante quanto o dar-se pela dor do rosto. Inclusive os adolescentes, estes que são puro rosto, à medida que vão vivendo fabricam a própria máscara" (Clarice Lispector - "Persona")

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  4. Bagunçando um pouco mais, fico pensando na dificuldade de ser todos os "eus" que moram dentro da gente.

    Não consigo me conceber como sendo um só. Ou sou muitos ou não sou nenhum.

    Dentro da biologia há alguns corajosos que tentam destruir o conceito de indivíduo, sobretudo para os seres sociais (nós inclusos). E quase me convencem, todos os dias...

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  5. Rs, resiste ai ao convencimento biologizantes... todos esses eus são construídos.

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  6. Oi André. Resiste aí ao convencimento biológico. Somos muito mais que isso...(rs). Abraço

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  7. Puxa.... um banho de realidade!! Mais uma vez vem vc, me fazendo sair pelo menos um pouco desse meu mundinho de bola de cristal. Obrigada meu irmão!!

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