Quem sou eu

Minha foto
Barretos, São Paulo, Brazil
Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos. Mestre em Sociologia e graduado em Ciências Sociais, pela Universidade Estadual Paulista. Professor da Faculdade de Ciências da Saúde de Barretos "Dr. Paulo Prata".

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Além do "Paraíso"

"Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
   Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achando-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
  Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
   Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante."

(Clarice Lispector - Felicidade Clandestina)

   
  O excerto extraído do conto "Felicidade Clandestina" de Clarice Lispector é para mim a descrição mais estilizada do amor pelo livro. Me identifiquei bastante com o conto. Em um outro post titulado "Paraíso" faço a minha declaração apaixonada por livros.

   O objetivo deste post é convidá-lo a dividir sua leitura através de "comentários". 
   Relate a sua leitura, teça comentários, compartilhe referências...inspire-se!
  

sábado, 22 de janeiro de 2011

"Não posso ficar colado a natureza como uma estampa"

"Queria que o mundo entendesse que amar da forma como amo não é revolucionário, é algo natural, minha natureza me fez assim. Todo gay nasce gay. A vida social se opõe a essa naturalidade e ali começam os conflitos", declarou Martin em entrevista concedida à revista "Veja".

Comentários postados:

"O homossexualismo não pode ser tratado com indiferença, existe varios fatores pra ele, e ninguem nasce com isso, pois Deus nos fez perfeitos, homens e mulheres, Deus é perfeito no que faz, agora pode acontecer anormalidades fisicas como casos de hemafroditas, ou homossexualismo gerado no subconciente de um bebe dentro do ventre da mãe, pelo simples fato da mãe ou do pai desejar uma filha mulher por exemplo, sabendo que o bebe é do sexo masculino. O homossexulismo pode sugir através de traumas, revoltas e de problemas hormonais. Mas pode ser curado sim, basta a pessoa querer e procurar um tratamento adequado, tratamendo fisico, emocional, psicológico e espitual. E resta a nós compreender, e estender a mão, seja qual a escolha que a pessoa fizer... Isso se chama respeito e humildade!" (Daniela)

"é final dos tempos mesmo ,,um homem tão lindo ,acho que isto é uma doença que aflige a alma das pessoas ,,infelizmente ele é um artista e não um anonimo,,tem que conviver com os pros e contras." (Lea)



      É com tristeza que leio a afirmação feita pelo cantor Ricky Martin e os comentários postados no "yahoo Brasil".  São tão limitados, tão arcaicos e maldosos. Ninguém nasce gay, ninguém nasce mulher ou homem, bixessual, hetero, ou sei lá que rótulos se queira dar as opções sexuais. Rótulos são sempre enquadramentos, limitações, hierarquização, tentativa de empoderamento de uma sociedade heteronormativa e cruel. A opção sexual, como o próprio nome diz, é uma escolha e não pode estar preso a uma "verdade" nata. Hoje posso gostar do "azul", amanhã do "amarelo" e posso voltar a gostar do "azul", ou do colorido todo que a vida nos permite conhecer.  Não dá para naturalizar opções sexuais. O termo homoxessualismo já não se usa mais e faz tempo, já superamos o "ismo" como algo patológico para o "dade" que vem a ser qualidade. Ou seja, o termo correto é homoxessualidade e esta está longeeeeee de ser natural. Apelar para a questão religiosa é mostrar o quanto rudimentar é o argumento, se assim pode ser chamado. Vamos estudar gente!

Marco Monteiro

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Angústia

"Agonizo se tento
Retomar a origem das coisas
Sinto-me dentro delas e fujo
Salto para o meio da vida
Como uma navalha no ar
Que se espeta no chão
Não posso ficar colado
A natureza como uma estampa
E representá-la no desenho
Que dela faço
Não posso
Em mim nada está como é
Tudo é um tremendo esforço de ser"
Composição: João Ricardo/ João Apolinário
Trago neste post a letra da música que compõe o título do Blog. É uma letra forte, que procura fugir da concepção de normal, natural, dado, para uma percepção do construído, do socialmente construído. A letra é dura e nos coloca frente a construção do nosso ser. A angústia é companheira de quem procura a verdade. Não sou procuro ser.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Fake

      "Se eu fosse eu", é com essa frase retirada de uma crônica de Lispector que inicio os posts de 2011. Longe de ser um existencialista, no sentido strito do termo, proponho pensar sobre as várias faces do "eu". É claro que Clarice na crônica em questão, supera toda e qualquer interpretação do "eu". Mas Clarice é mágica, toca essencialmente a alma, enquanto eu divago sobre preposições. 
      Me dei algumas horas por dia para estar com a literatura, tentando fugir do meu objeto de pesquisa, duro, quadrado, recortado e precisamente conceituado. Não que eu não goste de todo esse rigor acadêmico, muito pelo contrário, a academia me faz perceber útil. Mas é difícil desvencilhar do objeto quando vivenciamos intensamente a sua construção. Por isso quando li o conto de Lispector pensei logo em um fenômeno que foi transposto da vida real para a vida virtual. O "fake".
      O fake nada mais é que uma construção tendenciosa da nossa construção do "eu". Ou seja, é uma fuga planejada, arquitetada, de se perceber e se apresentar no mundo virtual. Assim como a fotografia é um instante registrado de uma felicidade construída, congelada, paralisada. O fake é a busca de estar em equilíbrio com a amplitude de nossos "eus". Falso, necessário, escondido, escancarado, vivo. Clarice incita o pensamento ao afirmar que metade das coisas que faríamos se fossémos eu, não poderia ser contado. Daí a necessidade de criarmos personagens para aliviarmos os vários "eus" presente num corpo limitado, com medo, repletos de culpas e anseios. O fake é fuga? É salvação? É covardia? Como nos apresentamos a nós mesmo?
      "Se eu fosse eu" o que eu faria? Gritar já não posso, ter consciência do real é doloroso... requer ação, quero agir? O carnaval já não dá conta de nossos anseios construídos, colombina e pierrô, não mais colore as possibilidades dos "eus".  Vigio e não me percebo vigiado, ou me percebo? Crio personagens, mas alguma vez protagonizo?  "A mentira em que nos acomodamos acabou de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara", Clarice é forte demais... sufoca a alma.
     Ser eu é emancipação, é verdade, é liberdade. O preço é caro, o prazer é muito. O medo é fato, assim me engano.